domingo, 8 de janeiro de 2012

Afinação de Orquestra

Foi no horário nobre pela TV que a polícia de São Paulo invadiu com carros pipas e uma brigada militar armada a chamada cracolândia do centro da cidade. A marcha de um exército de homens armados contra o gueto de farrapos humanos, que consumiam e eram consumido pelo crack, lembrou  a SS nazista invadindo o gueto de Varsóvia em filmes preto e branco que tentaram retratar o horror fascista. Porque o fascismo se arma contra os fracos para exterminá-los, afinal “os fracos de corpo são fracos da mente e não merecem viver no darwinismo social”. Foram imagens horrendas essas coloridas de agora. Homens, mulheres, crianças e o lixo eram varridos da mesma forma, numa operação em que a autoridade paulista chamou, de maneira sem-vergonha, mas apropriada, de “dor e sofrimento”. De maneira cínica era admitido que a redenção (pelo o tratamento) só viria após o martírio. E a polícia paulista foi flagrada em vários vídeos no youtube como soldados romanos que infringiam o martírio nos usuários de crack quase crucificados. O ódio se apodera dos fascistas como mostraram as imagens de tortura explicita contra homens dominados e, covardemente, apanhando por trás, sem qualquer possibilidade de defesa, como tão bem as imagens mostram o prazer do algoz com o sofrimento da vítima (ver no youtube: http://youtu.be/GHz-8rSDvuA).  

São Paulo só fez aumentar o som de ações orquestradas pela “internação compulsória”, que teve início no Rio de Janeiro e é imitada em outras cidades, com o apoio das políticas federais de governo. O recolhimento compulsório iniciado no Rio de Janeiro, já há quase um ano, e festejado pelas autoridades, tem requintes também de ações fascistas: a ação tem apoio policial e os recolhidos, homens, mulheres e crianças, são levados primeiro a uma delegacia, pois os que têm passagem por algum delito anterior são presos, não tendo direito ao suposto tratamento a que os outros serão submetidos. Assim é a autoridade policial que decide quem vai a “tratamento”.  Se fosse verdade, onde estaria os direitos humanos dos que foram somente presos, embora fossem também usuários e “dependentes químicos”. Os prisioneiros que têm direito à assistência são violados em seus direitos humanos primários. Portando foi criada uma situação onde o fascismo se expressa sem máscaras. Os “doentes” que (ainda) não cometeram um delito em folha corrida policial são recolhidos aos abrigos para a ação dos profissionais de saúde. E aqui ocorrem mais uma perversão fascista: a Ação Social aprisiona o suposto paciente para que os profissionais de saúde atuem nos abrigos-prisões. Voltamos a instituição total manicomial. Lembro que na década de 1970, no Rio de Janeiro, clínicas conveniadas recolhiam mendigos para tratamento involuntário, objeto de nossos protestos antimanicomiais. Qual a diferença?

Será que ninguém faz uma correlação entre a falta da construção de rede em Saúde Mental e, primeiro o surgimento das cracolândias, segundo, as ações policialescas? Pois o Rio de Janeiro e em São Paulo são metrópoles onde não há rede de suporte suficiente. No Rio, para uma população de 6 milhões de habitantes existe dois CAPS ad municipais, tipo II, nenhum em funcionamento nas 24 horas, inexistem Unidades de Acolhimento intermediário e não há leitos em Hospitais Gerais para os agravos clínicos. Natal, com um décimo da população, tem uma rede superior: dois CAPS ad, um deles 24 horas, leitos no hospital geral de qualidade. Tem ainda problemas, mas é um avanço em relação ao Rio. São Bernardo do Campo, num raro exemplo de vontade política para a ação dispensa as “comunidades terapêuticas” e não tem cacrolândias (ver no youtube: http://youtu.be/M9Ij17O4-Fs).

Nunca é demais repetir: o que falta, para impedir essas soluções fascistas, são serviços de saúde inclusivos e não somente. É preciso políticas sociais que possibilitem a inclusão na educação, na moradia, no trabalho e lazer, social. O que existe é uma epidemia do abandono.

Estamos criando uma democracia grega: o Brasil está bombando, em crescimento acelerado. Nunca tivemos um desenvolvimento assim antes. Mas para os incluídos. Os excluídos não usufruem da democracia e são tratados como cidadãos de segunda categoria, quando não encontram lugar nessa sociedade competitiva. E não podemos nos conformar com uma democracia grega.       

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