Em 15 de fevereiro de 2012 11:21, Aderval Borges <aderval@viapublica.org.br> escreveu:
Há tempo trabalho um poema sobre a escória da escória, ou seja, pessoas para as quais não existem políticas públicas em nenhuma das esferas de governo – e quando há não é para contemplá-las, mas amenizar o mal-estar que geram. As pessoas comuns – que de alguma forma estão integradas à sociedade produtiva – evita sequer olhar para elas. Enfim, refiro-me a uma gente que está abaixo até da linha da pobreza e da marginalidade. Não há sequer manjados movimentos sociais dispostos a reconhecê-la e, claro, é totalmente cética quanto a qualquer iniciativa que a contemple, seja por parte das instâncias públicas, de instituições filantrópicas, religiosas ou organizações sociais. Nas grandes cidades, como São Paulo, se vê essa mescla de ignorados por toda parte. Mas também são encontrados nas médias, pequenas cidades e até no meio rural – com características diferenciadas – por todo o país. Coincidentemente, recebi – enquanto trabalhava com o poema – mensagem do piauiense Edmar Oliveira chamando atenção para seu blog Excluídos Urbanos (www.exurbanos.blogspot.com), que abrange segmentos de excluídos diversos, inclusive os seres invisíveis aos quais me refiro no poema. No caso do poema, a sociedade se divide entre ‘homens que não são vistos’ (a escória) e ‘homens que têm traços’ (os demais).
Abrçs
homens que não são vistos
qual crua agrura que se configura
na impossibilidade contínua
soam os uivos daqueles
que na matilha em declínio
eiram a esmo como seres não visíveis
homens que não são vistos
burlam o senso de limite
propagam-se como vírus
a serviço do extermínio
homens que não são vistos
seguem em decurso
privados de tudo
inclusive do lugar público
por onde seus vultos perambulam
homens que têm traços
mesmo com nítida distinção
não dissociam dos conceitos
as coisas como elas são
homens que não são vistos
são meramente o que não
pensar para eles é prensar
matam se for o caso
extorquem de quem tem
(de quem não tem também)
fazem sexo de risco
consomem drogas letais
se oferecem ao perigo
para ver no que vai dar
o amanhã é uma miragem
o presente, indiferente
mas se lhes decepam as pernas
vão querer se mover sem elas
homens que não são vistos
nem querem mudar o mundo
o novo é mau presságio
um troço que vem de destroços
para conceder benefícios
àqueles que têm traços
há muito estão cientes
de que a verdade e seus passos
têm indevidos provimentos
que boas ideias são moedas
lançadas à própria sorte
na fonte do esquecimento
se ocorrem mudanças
poucas são para o seu bem
na saúde e na doença
na crença e na descrença
na graça e na desgraça
se sentem predestinados
a continuar ninguém
entre glórias e fracassos
homens que têm traços
esses seres colossais!
vivem à beira do colapso
à procura de algo mais
estão nas páginas da História
por obra de causas nobres
que encobrem os próprios fiascos
homens que não são vistos
são por natureza práticos
sabem que as coisas vão bem
para num momento seguinte
não ficar tão bem assim
às vezes estendem as mãos
não para fazer um amigo
ou filiar alguém a seu partido
fraternos também podem ter
não dos tipos que se entopem
com sentimentos filantrópicos
homens que não são vistos
urgem na hora e lugar
em que as coisas como tais se dão
ocupam-se de se manter ocultos
porque no escuro veem alguma claridão
então se lançam cadentes
de um céu que nunca foi seu
pois sabem de antemão
que só serão notados
quando suas vísceras
se espatifarem no asfalto
e federem como qualquer carniça
para comprovar que estiveram ali
existem!
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