quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

homens que não são vistos

Em 15 de fevereiro de 2012 11:21, Aderval Borges <aderval@viapublica.org.br> escreveu:

Há tempo trabalho um poema sobre a escória da escória, ou seja, pessoas para as quais não existem políticas públicas em nenhuma das esferas de governo – e quando há não é para contemplá-las, mas amenizar o mal-estar que geram. As pessoas comuns – que de alguma forma estão integradas à sociedade produtiva – evita sequer olhar para elas.  Enfim, refiro-me a uma gente que está abaixo até da linha da pobreza e da marginalidade. Não há sequer manjados movimentos sociais dispostos a reconhecê-la e, claro, é totalmente cética quanto a qualquer iniciativa que a contemple, seja por parte das instâncias públicas, de instituições filantrópicas, religiosas ou organizações sociais. Nas grandes cidades, como São Paulo, se vê essa mescla de ignorados por toda parte. Mas também são encontrados nas médias, pequenas cidades e até no meio rural – com características diferenciadas – por todo o país. Coincidentemente, recebi – enquanto trabalhava com o poema – mensagem do piauiense Edmar Oliveira chamando atenção para seu blog Excluídos Urbanos (www.exurbanos.blogspot.com), que abrange segmentos de excluídos diversos, inclusive os seres invisíveis aos quais me refiro no poema. No caso do poema, a sociedade se divide entre ‘homens que não são vistos’ (a escória) e ‘homens que têm traços’ (os demais).



Abrçs 



homens que não são vistos


qual crua agrura que se configura

na impossibilidade contínua

soam os uivos daqueles

que na matilha em declínio

eiram a esmo como seres não visíveis

homens que não são vistos

burlam o senso de limite

propagam-se como vírus

a serviço do extermínio

homens que não são vistos

seguem em decurso

privados de tudo

inclusive do lugar público

por onde seus vultos perambulam

homens que têm traços

mesmo com nítida distinção

não dissociam dos conceitos

as coisas como elas são

homens que não são vistos

são meramente o que não

pensar para eles é prensar

matam se for o caso

extorquem de quem tem

(de quem não tem também)

fazem sexo de risco

consomem drogas letais

se oferecem ao perigo

para ver no que vai dar

o amanhã é uma miragem

o presente, indiferente

mas se lhes decepam as pernas

vão querer se mover sem elas

homens que não são vistos

nem querem mudar o mundo

o novo é mau presságio

um troço que vem de destroços

para conceder benefícios

àqueles que têm traços

há muito estão cientes

de que a verdade e seus passos

têm indevidos provimentos

que boas ideias são moedas

lançadas à própria sorte

na fonte do esquecimento

se ocorrem mudanças

poucas são para o seu bem

na saúde e na doença

na crença e na descrença

na graça e na desgraça

se sentem predestinados

a continuar ninguém

entre glórias e fracassos

homens que têm traços

esses seres colossais!

vivem à beira do colapso

à procura de algo mais

estão nas páginas da História

por obra de causas nobres

que encobrem os próprios fiascos

homens que não são vistos

são por natureza práticos

sabem que as coisas vão bem

para num momento seguinte

não ficar tão bem assim

às vezes estendem as mãos

não para fazer um amigo

ou filiar alguém a seu partido

fraternos também podem ter

não dos tipos que se entopem

com sentimentos filantrópicos

homens que não são vistos

urgem na hora e lugar

em que as coisas como tais se dão

ocupam-se de se manter ocultos

porque no escuro veem alguma claridão

então se lançam cadentes

de um céu que nunca foi seu

pois sabem de antemão

que só serão notados

quando suas vísceras

se espatifarem no asfalto

e federem como qualquer carniça

para comprovar que estiveram ali

existem!

Nenhum comentário: