segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A REGULAMENTAÇÃO DE UM ESTADO DE EXCEÇÃO

Edmar Oliveira 

A notícia saiu na sexta-feira, 17, quando os blocos de carnaval já tomavam as ruas para a nossa festa maior. Dizemos até que o ano começa depois do carnaval, justo quando escrevo esse texto chamando atenção para a notícia que foi perdida nos desfiles carnavalescos.
A Comissão de Assuntos Sociais do Senado se prepara para votar o Projeto de Lei de número 111/10, que permite a “internação compulsória” do usuário de drogas, bastando para isso apenas a autorização de um “laudo médico”. A proposta do Projeto de Lei (PL) foi apresentada por um senador do DEM, que previa originalmente a prisão do usuário. Dois outros senadores da oposição “melhoraram” o texto original trocando a prisão pela “internação compulsória”, num ato falho que expõe o caráter repressivo do recolhimento. Mas grave ainda é a avaliação dos senadores para a facilidade da aprovação do PL, já que o Ministério da Saúde autoriza a “tese” (sic), na interpretação dos políticos de oposição às recentes declarações do Ministro da Saúde sobre o tema.
Quero chamar atenção para dois fatos que se completam, se tal projeto torna-se a Lei pretendida. Primeiro desfigura-se a lei 10.216/2001, que é a lei que protege o direito das pessoas com transtornos mentais. Nela já se permite a internação INVOLUNTÁRIA, por ato médico, mas é necessário ao judiciário determinar a internação COMPULSÓRIA, pois tal instrumento necessita de processo jurídico, na forma da lei. Mesmo na internação INVOLUNTÁRIA, a 10.216 obriga o internante comunicar ao Ministério Público, que zela pela garantia dos direitos individuais, o que permite ao internado requerer sua defesa, se sentir-se lesado. Portanto não são sinônimos, como às vezes se quer fazer acontecer por má fé. A internação involuntária deve ser uma indicação clínica extrema, e provisória, para um paciente que será assistido pelo médico requisitante, conforme determina a lei, e com direitos de garantia de posterior discordância do internado. Na internação COMPULSÓRIA, cessam-se os direitos individuais e, por isso, a lei 10.216 exige um processo jurídico e determinação judicial.
A segunda consequência é trágica para o Estado Democrático. Aprovado o PL 111 o Estado se coloca no direito de tirar o cidadão das ruas, por uso de drogas, com o Recolhimento Involuntário de pessoas indesejáveis à sociedade. Por isso os autores da “melhoria da lei” se traíram na sua emenda. Não se troca “prisão” por “internação”. Mas “prisão” por “recolhimento”, o que vem a ser o mesmo. E compulsórios, os dois.
Para os mais jovens, conto um acontecimento vivido por velhos. No Rio de Janeiro, durante a ditadura militar, uma clínica particular da zona oeste tinha por prática recolher mendigos e bêbados nas ruas da zona sul e, posteriormente, levar os recolhidos para obter uma “autorização de internação” nos postos de saúde do antigo INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social). Tais “autorizações” eram dadas por médicos que trabalhavam na referida clínica, quando não eram sócios nessa promiscuidade público-privada. Fazia-se dos desvalidos o lucro dos descarados. Mas eram anos de chumbo. E essas práticas foram acabando com os ares, e configuração legislativa, da democracia. Reclamávamos todos, os democratas, do uso da Psiquiatria como prática repressiva de Estado, como acontecia no stalinismo soviético.
Vivemos uma democracia que possibilitou nosso crescimento enquanto nação. De fato o país vem crescendo e se desenvolvendo como nunca. Para os incluídos. Aos excluídos urbanos a democracia pode estar regulamentando um Estado de Exceção. Usando a Psiquiatria como instrumento repressivo do Estado como se fez nas ditaduras. E isso é grave. 

Um comentário:

Tomás Mais disse...

Boa! Segue sugestão de compartilhamento de informações...

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