sábado, 10 de março de 2012

Enxugando Gelo e Escondendo o lixo


Edmar Oliveira
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O Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria contestou o artigo que escrevi, onde eu denunciava que o recolhimento compulsório de usuários de drogas pelo psiquiatra é um atentado ao estado de direito. Admite o nobre colega que a internação compulsória pode ferir as liberdades democráticas, mas deve ser feita em respeito ao direito à vida que acha ser superior ao direito à liberdade. Os dois são inalienáveis, segundo a Constituição Federal. Mas o douto aliena um em função do outro, como se fosse assim simples e encerra a questão.
Faço tréplica. O encarceramento psiquiátrico não significa o resgate da vida de quem a vem perdendo por falta de políticas públicas para os excluídos urbanos. Essa gente não tem lugar numa sociedade que não lhe oferece oportunidades de escolhas (escola, moradia, trabalho). Perambulam e se reúne em guetos junto ao lixo não porque usam crack, mas fumam o crack por se encontrarem numa situação de abandono.

O resgate à vida não pode ser feito apenas pela área da saúde. Ela, mesmo fazendo sua parte, devolve o cidadão ao mesmo lugar de não-cidadão, num círculo vicioso. Ou faz do encarceramento um remédio cruel para um mal, que além de médico é profundamente social: a higienização pela internação das mazelas sociais. Assim a psiquiatria acha que resolve a falta de escolas, de oportunidades, de desajustes familiares conseqüentes a uma situação de miséria. Quer assumir o papel da polícia, do juiz, do educador, da assistência social, enfim, da falta de políticas públicas. Que um Estado Democrático de Direito deveria propiciar a todos nele inseridos, sem exclusão. A psiquiatria é pega numa cilada por hipertrofiar sua função e perder os limites da sua ação.

O crack é a ponta do iceberg visível de uma situação insustentável de mazelas sociais. A sociedade deve exigir ação do Estado para este problema. Mas deve saber também que o recolhimento não resolve o problema. Ou enxuga gelo ou desaparece com o problema de nossa vista. Mas ele continua. É preciso políticas conseqüentes.

2 comentários:

João de Deus "Netto" disse...

O encarceramento gera uma estatística irmã da planilha que é alimentada por grana. Tudo a ver com as "cinco" refeições que o presidiário faz nas penitenciárias, alimentos estes que os administradores não se atrevem nem a olhar, mas que custa uma grana alta a ser paga a empresa que "ganhou" a concorrência. Só pode ser esse, o interesse.

Anônimo disse...

Não existe medicina involuntária.