sexta-feira, 15 de junho de 2012

RELATÓRIO SOBRE AS CONDIÇÕES DO INFERNO


Edmar Oliveira


Fui honradamente convidado pela Comissão de Deitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro para comentar a leitura do Relatório sobre os abrigos da Prefeitura para onde são levados as crianças e adolescentes recolhidos nas “operações” da Secretaria de Assistência Social e da Polícia nas chamadas cracolândias. Na companhia de importantes personalidades e em audiência pública.

Detenho-me aqui ao relatório por evidências explícitas.

Aqui não vamos mais opinar sobre a infâmia do recolhimento compulsório e como ele é feito. Mas os que acompanham essa discussão sabem para onde são levadas essas pessoas recolhidas? Depois de sair de nossa vistas sabem o quê acontecem com elas?

São levadas para muito longe no subúrbio de Paciência ou Campo Grande para grandes campos de concentração de estimada quatro centenas de almas. E a leitura nos leva a descer aos infernos de um drama trágico. Os funcionários que cuidam dos prisioneiros se confundem em não saber se aquilo é um abrigo ou uma internação. Certamente uma prisão, pois se fala em quantidades de fugas e recapturas. Mas também tem características de um manicômio: os presos estão sedados, com a fala arrastada e desconexa, impregnados de medicação, olhos vermelhos e movimentos contidos. Há relatos de maus tratos.

A entidade que cuida dos abrigos é uma entidade religiosa em convênio com a prefeitura. O dono dessa entidade é um policial aposentado. Ele e sua família exercem o “cuidado” a essas pessoas.

Não consigo ouvir mais. Fico imaginando o laudo do médico legista que suicidou Vladimir Herzog. Fico lembrando dos médicos que atendiam os torturados da ditadura.

Hoje são os excluídos que são feitos prisioneiros e vítimas de médicos que os sedam cruelmente na desculpa do tratamento para a “dependência química”.

Somos nós os dependentes de soluções higienistas e fascistas. Me senti horrível em pertencer a uma sociedade amordaçada que trata aos excluídos urbanos como não-cidadãos e pertencentes a um não-lugar. Porque aquelas casas são não-lugares onde a prática médica e de cuidados não podem ser exercidos.

São levados aos infernos os jovens que não fizeram pacto com o diabo. Mas ali suas almas lhes são separadas dos corpos. Mortos-vivos aflitos onde o retorno à comunidade se torna impossível.  

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