1000TON
O homem é um animal muito especial. Difícil arrumar um jeito
de colocá-lo para viver em qualquer lugar: num cercado, numa gaiola, numa selva
de concreto, numa pocilga ?
A cidade moderna,
pós-revolução industrial, tem, relativamente, pouco tempo de conurbação existencial - cento e
cinquenta anos, se tanto? Conurbação é
o nome que se dá ao nó-nas-tripas, ou
seja, um estrangulamento monstruoso do ir-e-vir, quando uma cidade se esparrama
descontroladamente e engole pequenas vilas, lugarejos próximos a elas, e, até
mesmo, outras cidades menores.
Os grandes
aglomerados urbanos, no mundo inteiro, cresceram desmesurada e elefantinamente.
Apesar de algumas experiências, o homem não se deteve ainda a pensar seriamente
sobre o destino das futuras gigalópolis.
Ao longo da
história alguns loucos, ou poetas da estética funcional urbana, tentaram bolar
alguns viveiros para a espécie humana. É o caso de Le Corbusier, pseudônimo de
Charles-Edouard Jeanneret-Gris talvez o mais famoso de todos, arquiteto,
urbanista e pintor franco-suíço
(1887-1965).
Esse senhor
influenciou uma geração enorme de discípulos. Le Corbu, como também era
conhecido, projetou várias “cinecittá”, não que ele fosse do ramo
cinematográfico. Na sua concepção os meios de transporte, o trabalhar, os
serviços, o verde, o comércio, a moradia, aliados a uma tecnologia altamente
desenvolvida, supririam todas as necessidades do usuário das grandes cidades, como
numa romântica produção hollywoodiana, estrelando: o homem e seu novo habitat.
A idéia de enormes
arranha-céus, em concreto e vidro, monótona e geometricamente dispostos, exigindo
equipamentos sofisticados (hoje em dia ecologicamente inadequados), tais como,
super-elevadores e portentosa maquinária para manter a temperatura ambiente
artificialmente confortável, não foi comprada nem pelo Velho Mundo do pós-guerra.
Le Corbusier engenhou um plano completo para a cidade de Paris; aliás, o modelo
serviria também para outras cidades do planeta, mas a Europa preferiu
reconstruir suas velhas cidades, com apenas sutis retoques modernos,
preservando-as e integrando-as ao seu passado orgânico-cultural.
Quem comprou a
idéia foi o terceiro mundo: esperando alcançar um progresso utópico, tentaram
esconder os dramáticos desníveis sociais existentes: “Um novo porvir” ou “Vamos
começar tudo de novo como se nada antes existisse”.
Em virtude da
grande influência francesa na cultura brasileira, aqui, dentre outros,
Corbusier fez a cabeça de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, que tentaram implantar
no planalto central do país, convocados que foram pelo Juscelino Peixe Vivo, a
urbe ideal para o muderno cidadão
brasileiro, sem diferença de classes – Brasília.
“Sobre
a cabeça os aviões / Sob os meus pés os
caminhões / Aponta contra os chapadões /
Meu nariz / Eu organizo o movimento
/ Eu oriento o carnaval / Eu inauguro o monumento / No planalto central do país / ...” (Tropicália, Caetano Veloso).
Essas cidades
modernas não ficaram, nem poderiam ficar imunes aos bolsões de pobreza
espalhados pela sua periferia, eis que a plebe ignara, impedida de participar
do convescote, foi chegando mais perto para catar migalhas e restos de comida. Os novos belos
cenários da Urban Paramount Pictures não foram construídos para os bóias-frias.
Armadilha do
destino: o deslumbrante sonho de JK, muito pouco tempo depois, a apenas quatro
anos da inauguração da Novacap, em 1964, serviu de palco, digo, quartel de luxo
para os milicos comandarem mais de vinte anos de truculenta ditadura militar,
iludindo nosso povo com o milagre
brasileiro, prato jamais servido na mesa da maioria dos brasileiros.
O nosso
Macunaíma, como teria interpretado Brasília, se possível fosse escrever uma segunda
“Carta pras Icamiabas”? Ele hoje, possivelmente, estaria andando a pé, não
teria conseguido comprar nem uma Romi-Isetta,
e, certamente, estaria morando numa Ceilândia, ou naquele lugar onde “Eu, Mato
Grosso e o Joca, construiu nossa maloca...”(Adoniran Barbosa)
No seu livro, editado
logo depois de pronta a Novacap, Niemeyer mostrava-se bastante angustiado ao
ver os candangos, que ergueram aquela cidade Planaltina com o suor e o sangue
do seu trabalho, não conseguirem nela morar. Quão ingênuo foi o nosso
mestre!...Talvez não tivesse tido o tempo necessário pra pensar em matéria tão
polêmica: DECIFRA-ME, OU TE DEVORO !
“Tá vendo aquele edifício moço / Ajudei a levantar / Foi um
tempo de aflição / Eram quatro condução / Duas pra ir, duas pra voltar / Hoje
depois dele pronto / Olho pra cima e fico tonto / Mas me chega um cidadão e me
diz desconfiado / Tu tá aí admirado / Ou
tá querendo roubar?”
(letra e música de Lucio Barbosa).
Cidades modernas
no terceiro mundo não foram capazes de, por si só, resolver o grave problema da
discriminação e das abissais diferenças existentes entre as castas sociais. O
contingente dos sem-teto aumenta cada vez mais.
Outra ironia do
destino: muitos asseguram que a atual crise econômica teve início justamente com
o mercado imobiliário dos EUA. A especulação e o capital financeiro, assim como
em outros setores, não podem comandar os destinos da cidade pós-moderna. Esta
deve atender, sim, ao bem estar das pessoas que nela habitam. Os cidadãos
deverão ter o direito de participar dos processos de intervenção, produção e
remodelagem das cidades.
É por aí.
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