Edmar Oliveira
A questão do crack está intrinsicamente ligada à forma de
desocupação do espaço urbano para a modernização das cidades.
Pereira Passos, tomado da proposta de Haussmann para a Paris
do final do século XIX, abre as grandes avenidas, moderniza a cidade acabando
com os cortiços, lugares insalubres e de doenças. A saúde ali também foi usada
para a retirada dos excluídos de uma cidade que se queria moderna. Não havia
lugares para eles. É de quando Pereira Passos alarga a cidade e constrói prédios
europeus nas vias públicas, já numa antiga parceria público-privada, que os
mais pobres passam a habitar o percurso da linha férrea levando a cidade para o
subúrbio. Os bairros operários do Engenho de Dentro, da Piedade; os bairros
comerciais de Madureira e Cascadura são dessa época. Havia ainda a crise do
café que fez os proprietários de fazendas lotearem a área fazendo uma exclusão
entre os excluídos, empurrando para longe da linha férrea os mais desvalidos. A
história nos auxilia a entender o presente. Quando há uma desocupação com um
mínimo de cuidado com seus moradores construíram-se conjuntos habitacionais
onde não havia nada, como foi o caso da cidade de Deus. Sorte dos seus
moradores que ela ficou perto da Barra, tempos depois. A especulação também não
é planejada.
A ocupação das comunidades carentes, e em poder do tráfico,
nas chamadas UPPs, se faz segundo um mapa geográfico de lugares próximos a
pontos turísticos para os eventos da Copa e das Olimpíadas. Os mais excluídos
entre os excluídos daquelas comunidades perderam também seu espaço e a eles não
foi destinado qualquer programa de compensação social. Na cruenta desocupação
para a construção do Porto Maravilha também foram expulsos. São esses os
condenados a vagarem sem rumo. Habitam um não-lugar. Reúnem-se nos guetos. No
lixo de outras comunidades excluídas. Simbolicamente nos dizem que são a sobra,
a lixeira desse processo de modernização.
A internação compulsória é uma higienização do espaço
público. Retira-se os habitantes daquele não-lugar como se recolhe o lixo. O
crack é uma desculpa para que se atinja, de forma radical, a parte visível do
iceberg.
Portanto, não é apenas uma questão de saúde pública e é
falso o dilema entre o recolhimento da assistência social e o “acolhimento” da
saúde. É preciso ver um pouco mais longe. É preciso que esse povo fique aonde existam
suas raízes e possa estudar, trabalhar, habitar, ter lazer e, como qualquer ser
humano, ter direito a felicidade.
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