terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O não-lugar


Edmar Oliveira
 
A questão do crack está intrinsicamente ligada à forma de desocupação do espaço urbano para a modernização das cidades.

Pereira Passos, tomado da proposta de Haussmann para a Paris do final do século XIX, abre as grandes avenidas, moderniza a cidade acabando com os cortiços, lugares insalubres e de doenças. A saúde ali também foi usada para a retirada dos excluídos de uma cidade que se queria moderna. Não havia lugares para eles. É de quando Pereira Passos alarga a cidade e constrói prédios europeus nas vias públicas, já numa antiga parceria público-privada, que os mais pobres passam a habitar o percurso da linha férrea levando a cidade para o subúrbio. Os bairros operários do Engenho de Dentro, da Piedade; os bairros comerciais de Madureira e Cascadura são dessa época. Havia ainda a crise do café que fez os proprietários de fazendas lotearem a área fazendo uma exclusão entre os excluídos, empurrando para longe da linha férrea os mais desvalidos. A história nos auxilia a entender o presente. Quando há uma desocupação com um mínimo de cuidado com seus moradores construíram-se conjuntos habitacionais onde não havia nada, como foi o caso da cidade de Deus. Sorte dos seus moradores que ela ficou perto da Barra, tempos depois. A especulação também não é planejada.

A ocupação das comunidades carentes, e em poder do tráfico, nas chamadas UPPs, se faz segundo um mapa geográfico de lugares próximos a pontos turísticos para os eventos da Copa e das Olimpíadas. Os mais excluídos entre os excluídos daquelas comunidades perderam também seu espaço e a eles não foi destinado qualquer programa de compensação social. Na cruenta desocupação para a construção do Porto Maravilha também foram expulsos. São esses os condenados a vagarem sem rumo. Habitam um não-lugar. Reúnem-se nos guetos. No lixo de outras comunidades excluídas. Simbolicamente nos dizem que são a sobra, a lixeira desse processo de modernização.

A internação compulsória é uma higienização do espaço público. Retira-se os habitantes daquele não-lugar como se recolhe o lixo. O crack é uma desculpa para que se atinja, de forma radical, a parte visível do iceberg.

Portanto, não é apenas uma questão de saúde pública e é falso o dilema entre o recolhimento da assistência social e o “acolhimento” da saúde. É preciso ver um pouco mais longe. É preciso que esse povo fique aonde existam suas raízes e possa estudar, trabalhar, habitar, ter lazer e, como qualquer ser humano, ter direito a felicidade.

    

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